James Rosenquist, 1960




com o sol e a lua bailando em Leão, aos 6 anos vivi plenamente, depois me confundi, conheci o fantástico, tornei-me impura, enlouqueci, enxerguei os meus olhos verdes, fui fazer a vida, pisei em Vênus, perdi o chão, andei pelas estrelas, me virei em contos, e descobri a própria sorte. Hoje, só engulo o que for orgânico e só penso em me exibir.


ouvidos

pés e poesia

sábado, novembro 21

a gorda


Tom Wesselmann, USA, 1960

Os seus passos pesados sobre a extensa escada denunciam a sua chegada. Cada passo de uma vez, lento, gordo, cansado. Respiração ofegante, que só faz aumentar o excesso de suor no seu rosto roliço. Banhas quentes, não desejadas, e tão bem mantidas naquele corpo mal cuidado. O seu sexo, quase indefinível, visível somente a quem muito olha. Os seus cabelos, finos, longos e sujos em cima dos seus ombros carnudos, e presos displicentemente só para não incomodarem. O sorriso é branco, e somente se perde no marshmallow sufocante que preenche todo o espaço de sua boca, escapando pelos lados, e lambido pela língua faminta. A melhor poltrona é a sua. É onde cabe a sua bunda gorducha, enquanto a TV fica ligada. Senta-se. De lá não levanta. A comida vem até ela. O seu namorado é quem a leva, tropeçando nos sapatos também gordos, espalhados pela sala. Rapaz franzino de olhos tortos. Três vezes a menos o tamanho dela. Sempre gentil, e sempre folgado. Não sai de perto. Não é nada. Não faz nada. Eles dormem juntos. A cama é de solteiro. Ela ronca. Ela urina nas calças. A amônia exala por entre as suas coxas e não abandona os narizes de quem está perto, nem o dele. Mas ela não sente. E não percebe que a sua privada branca é pequena, marcada por cada uso, por cada ida sua ao banheiro. Nada disso faz diferença. Sexy, é como ela pensa ser. Nem ao menos os seus cochilos, tirados enquanto o franzino a lambe, mudam as suas idéias. Mulher gorda. Sem dinheiro. Com carro, e cara de pau. Não paga as suas contas. Não recolhe as suas roupas sujas. Não limpa o fogão e não leva o lixo para fora, mas descobre que gosta de apanhar. Apanhar muito e apanhar pouco. Larga o franzino, que fica sem ter para onde ir, mas não é problema dela. Emagrece. Faz outros amigos. Eles também gostam de apanhar. Todos os seus novos amigos gostam de apanhar. Os tapas doem e a mantêm acordada. Viaja para outros lugares. Encontra mais amigos que gostam de bater e de apanhar por prazer. Sente-se melhor, mas não tem emprego. Deixa de ser estagiária, e de sair de casa sem pentear os cabelos. Voltou a morar com os pais. Mãe sem conserto. Ainda acha que a filha é uma gorda.

de ontem

direitos meus reservados

Creative Commons License dEjOUeT é de cilea santos lima e está licenciado com o selo Creative Commons. reprodução só se não alterar o texto original. citar a fonte e a autoria e sem fins comerciais. contato cilealima@gmail.com

Total de visualizações de página